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matilda — 2 de julho de 2018

O CORPO COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO AMPLIADA

“Temos obrigação de inventar outro mundo. Mas cabe construí-lo com nossas mãos, entrando em cena, no palco e na vida”. A frase é de Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido, metodologia que alia dramaturgia à ação social.  E ao que tudo indica, o ator Leonardo Paixão entendeu direitinho a lição do mestre, pois na performance “O Corpo Emagrecido” a atuação é utilizada como instrumento de emancipação política.

 

 

Paixão concebeu o espetáculo a partir de seu próprio corpo “gordo, gay e negro” e dos olhares que o atravessam nas ruas. Essa auto-observação foi parar na França, mais especificamente no In Out Exhibition, promovido pela apArt Private Gallery, no âmbito da programação do Festival de Publicidade de Cannes, o mais importante prêmio do segmento no mundo.

 

E o que um corpo gordo nu é capaz de causar nas pessoas, dentro de um espaço estético como uma galeria? Thais Marin, idealizadora e curadora da apArt Private Gallery, responde: “aquilo que eu esperava, aconteceu de uma forma ainda maior; a obra surpreendeu a todos, já que as pessoas não aguardavam por algo tão intenso: veio emoção, choro e sentimento de que os espectadores queriam mais, desejavam conhecer quem era Leo Paixão e seu corpo”.
Um mês antes da estreia fora do Brasil, o projeto artístico chegou à matilda.my e foi então que Carolina Gavazzi, responsável pela empresa que apoiou a exibição na Riviera Francesa, viu o potencial de conteúdo para a editoria. “Entramos em um novo segmento, que vinha se desenhando desde 2017, com as exposições de arte na Matilda, e que agora se ampliava, com ‘O Corpo Emagrecido’ sendo realizado em um outro continente”. Para Carolina, “a performance se encaixa num pacote visual que nos identificamos. Tem muita gente ganhando prêmios com a imagem das pessoas e nem sempre tem um contato real com elas”. Na apArt Private Gallery, havia arte de altíssima qualidade, “agora, o físico, a questão da experiência, o cheiro, a presença trouxe um grande impacto”. E prossegue: “o estar presente me interessa pelo choque que causa e a consequente reflexão sobre a representatividade na publicidade”.
Já para o artista, que se coloca nu em cena, outros pontos foram fundamentais: “eu nunca tinha feito o texto em inglês e isso era uma questão para mim. Como a performance é interativa com o público, eu precisava estudar, numa língua que não é a minha, como eu faria esse envolvimento com os espectadores”. No momento da apresentação, ele diz ter se colocado em “lugar louco”, porque não se tratava apenas de atuar em outra língua ou mesmo da exposição do seu corpo, mas de se apresentar para profissionais que trabalham com publicidade e com a ideia do perfeito. “Foi muito grande mostrar para eles esse projeto que está em construção, que é imperfeito, que fala sobre um corpo que não está dentro do padrão exigido por grande parte da sociedade”. Paixão conta ainda que alguns publicitários vieram conversar com ele sobre o impacto que a apresentação causou: “então, o espetáculo cumpriu seu papel – esse retorno de um público tão seletivo me mostra que esse trabalho precisa ser visto por mais e mais pessoas”.
Nessa lógica de discussão de padrões impostos em que a Matilda tem trabalhado, especialmente na editoria de “Gentes”, se encaixa a máxima do  teatrólogo morto em 2009, tendo o teatro no sentido mais arcaico do termo. “Todos os seres humanos são atores, porque atuam, e espectadores, porque observam”. O corpo gordo é oprimido. O corpo negro é oprimido. O corpo gay é oprimido. Nesse sentido, Leo Paixão se encaminha para o terceiro sinal, quando sobe o pano na boca da cena e nos convida a assumir o controle dos nossos corpos como agentes de transformação ampliada.