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matilda — 12 de fevereiro de 2018

O CARNAVAL AINDA QUEM FAZ SÃO OS AMBULANTES

“A rua está cheia e eu vou me esgueirando

feito um ninja no meio da multidão

o peito inflama, a lágrima derrama

tá começando mais um Carnaval”

(BaianaSystem – O Carnaval quem é que faz?)  

Um dos feriados mais esperados por todos é, sem dúvidas, o Carnaval. Na cidade de São Paulo milhões de pessoas saem às ruas para festejar ao som dos mais variados estilos, que vão do tradicional axé até a mais conceituada música eletrônica gringa. Colocando em números, apenas nos dois primeiros dias de pré carnaval, 3 e 4 de fevereiro, cerca de 4 milhões de pessoas participaram da folia dos mais de 100 blocos que desfilaram na capital paulista, segundo dados da Prefeitura. Uma festa de proporções homéricas que não seria possível sem o trabalho árduo de alguns milhares, que em meio ao divertimento das massas vêem uma oportunidade de conseguir dinheiro para pagar as contas ou complementar a renda. Este é o caso dos vendedores ambulantes ou camelôs, que com seus carrinhos e isopores abastecem os blocos que lotam as ruas e praças da cidade cinza. Este ano a Prefeitura de São Paulo fez o cadastramento de 10 mil comerciantes, 2 mil a mais que no ano anterior, e mesmo assim muitos ainda ficaram de fora. O registro dos interessados em trabalhar como vendedores foi realizado pela empresa Dream Factory que, em parceria com a Ambev, venceu o edital para organizar o Carnaval 2018 da capital.   Nós da Matilda fomos conversar com esses trabalhadores que são parte essencial da maior festa popular do Brasil, mas que muitas vezes não são lembrados nem ouvidos. Entre cadastrados e irregulares, buscamos conhecer suas histórias, suas dificuldades, suas motivações e um pouco de suas intimidades. O resultado você confere abaixo. José*, 44 anos, ambulante não cadastrado. “Na área de camelô, eu vendo massageadores corporais e massageadores capilares também, na região do Brás. No Carnaval, falaram que cadastraram 10 mil camelôs, mas só para eles venderem a mercadoria de certas marcas. Se você estiver com outra mercadoria, a polícia vai pegar, levar embora e você vai ficar no prejuízo. Então se você for pensar, é uma coisa que não tem benefício nenhum. Tem benefício pra quem? Pra eles ou pra nós? Se eles querem mesmo ajudar, o certo é deixar vender o que pode vender. Se pode vender bebida alcoólica no carnaval, então não tem problema comercializar qualquer tipo de bebida, né, independente da marca.” “Todo mundo está no mesmo barco, todo mundo precisa comer, certo? A questão é eu vender o meu produto para que eu possa levar o sustento pra minha casa. E outra coisa, São Paulo é grande e não fica todo mundo no mesmo lugar. Falaram pra mim que foi feito esse cadastro aí, mas eu não ouvi e disseram que saiu isso na televisão e passou no Jornal Nacional. Mas eu só fiquei sabendo no dia primeiro de fevereiro, ai já tinha acabado o prazo para se inscrever.”   Isaque Wallace, 28 anos. Se a gente tem uma mega organização, se a gente tem uma puta duma marca Ambev, se a gente tem uma estrutura que dizem que tem, então se eles querem que a gente trabalhe só com esse produto, se a gente tá comprando o produto deles, se a gente tá gastando nosso dinheiro pra poder comprar o produto deles pra gente poder revender, aí eu acho que isso é errado. Por isso que eu tô falando assim, daí. Não os que não tão credenciado, eles devem ganhar dinheiro também, mas o caso que eu acredito é o seguinte: caí em cima deles porque pô, se a Ambev tá querendo colocar um padrão, que que adianta eu vender meu produto da Ambev, chegar outro cara sem credencial e vender Heineken, vai quebrar minhas pernas. Vai quebrar minhas vendas e as dos demais que também tem o produto.” “Eu acho que eu nunca senti preconceito. A gente brinca, tem várias classes, tem várias sexualidades no meio, independente. Mas pra mim eu nunca senti preconceito de ser tratado como ambulante, só os motoristas de ônibus que não gostam de carregar a gente de vez em quando. Eles pensam que a gente vai trabalhar lá dentro, mas eles querem assim, que a gente tenha a licença, credenciado e tudo, aí fica meio difícil.”   Griselda, 69 anos, camelô. “Nesse trabalho a maior dificuldade é o peso. Eu moro lá no final da São João, de lá nós viemos para cá (Vale do Anhangabaú), com o meu filho, com a minha idade é difícil, a noite sinto muita dor na perna, dói tudo, tudo. Mas o que eu vou fazer? Eu preciso. Sou sozinha, morreu minha irmã, minha mãe, então eu e ele, nós nos sustentamos sozinhos. Ainda bem que a minha irmã deixou esse apartamento para eu morar, só pago o condomínio. E se eu tivesse que pagar aluguel?”   João*, 29 anos, cobrador de ônibus e camelô não cadastrado. “Essa é a primeira vez que eu trabalho durante o carnaval, porque eu trabalho como cobrador e estou aqui para complementar a minha renda. Eu to como não cadastrado porque eu fiquei sabendo de última hora e esse cadastramento durou um dia e tiveram 10 mil cadastrados. Hoje eu tô vendendo água e cerveja mas eu nunca trabalhei como camelô, essa é a primeira vez. Vim no domingo passado, gostei e acho que vou trabalhar com isso outras vezes. Achei muito legal, o ruim é que tem que ficar de olho na polícia, né.”   Priscila Onofre, 37 anos. “Esse é o segundo carnaval que a gente faz, mas quando tem evento a gente vai. Quando a gente vê que tem um lucro bom, a gente vai. Somos uma família: minha irmã, meu cunhado, minha prima, minha tia e o agregado da família, nosso amigo! A gente já curtia bloco de rua e o carnaval em si, né, escola de samba… E aí um dia a gente viu que tinha vendedor ambulante na rua. Aí eu passei o ano inteiro pesquisando como que se cadastrava pra fazer esse tipo de evento, e eu consegui fazer o ano passado. Fez eu e minha irmã no ano passado e aí esse ano a gente conseguiu fazer o cadastro de todo mundo, pra trabalhar no carnaval.” “É muito fácil vender, porque bebida e comida todo mundo usa, né. Toda vez que você sai pra vender comida, pode ser qualquer coisa, você vende. A bebida também, todo mundo bebe, se for água, se for qualquer coisa, vende. Se tá muito calor você vende água, se tá chovendo você vende guarda-chuva, então são coisas úteis, mesmo com a crise vende. A pessoa não vai parar de beber, não vai parar de comer por causa da crise.   Miriam Onofre, 60 anos. “Às vezes você gritar o preço só não funciona. Você atender bem o cliente, você já de pronto gerou um relacionamento mais estreito. Até ele encostar aqui ele é desconhecido. Encostou aqui é nóis, a gente conversa, ele pergunta coisas sobre o carnaval, sobre a gente… E até agora a gente não encontrou ninguém ignorante, tá todo mundo aberto a só brincar o carnaval mesmo.” “Você tá falando da crise, muita gente tá atravessando isso, eu que tenho 60 anos sei. Só que hoje a gente tem uma outra realidade. É uma crise dentro de uma realidade mundial, não é nível Brasil, porque no passado a gente tinha muito emprego mas muito desrespeito ao trabalhador. Agora a gente tá vendo novamente essas leis serem derrubadas, a vontade do governo de mudar as leis do trabalho, terceirizado, e não vai ser bom porque nós vamos ter mais instabilidade. Então a gente regrediu tries décadas, vamos dizer. Os anos 70 era muito difícil. Tinha muito emprego? Tinha, mas você não tinha benefício nenhum, você não tinha meios de crescer no emprego… Hoje, tem essas vantagens. Mas uma forma que eles tão achando de atrair capital estrangeiro é escravizar o povo novamente, como antes, que não tinha leis que regulavam isso. 48 horas semanais, era meio que trabalho escravo, eu não vejo vantagem. Se a gente não pisar firme e ficar de perto olhando essas mudanças, o povo vai novamente se sacrificar e vai aceitar, como foi no passado. Depois vai precisar de uma guerra pra poder voltar nos trilhos, né.”

* Nome-fantasia para preservar a identidade dos entrevistados.