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matilda — 6 de junho de 2018

ME DECLARO GORDO: NÃO ESTOU, SOU GORDO

“Guaçuí” da língua tupi significa “água de veado”. E a origem do nome da cidade onde nasceu Leonardo Paixão, no Espírito Santo, está ligada ao fato de, na chegada dos europeus à região, existirem muitos veados nas margens do rio local. O ator e performer gosta de dizer que nessa cidade “nasceu um veado grande”. Isso porque ele sobe na balança e vê três dígitos. E também se depara com sua negritude esbranquiçada já na certidão de nascimento, “onde está escrito ‘branco’, quando sou filho de uma mulher negra, mas não nasci com a pele escura”, destaca.

 

 

Gordo, negro e gay: é assim que Paixão se coloca na vida e na arte e avisa: “vai ter gordo de macacão branco sim e gordo nu em cena, porque precisamos mostrar que dobras, celulite e barriga de avental (denominação dada ao excesso de pele que se sobressai na região abdominal) compõem esse corpo “com o qual me reconciliei há algum tempo e que carrega minhas bandeiras, lutas e, sobretudo, minha arte”.

Perguntado sobre o gordo ser visto como criminoso estético, ele não titubeia: “os olhares que recebo na rua são variados – vão do estranhamento à repulsa, passando pela invisibilidade”. A performance “O Corpo Emagrecido” – que será apresentada em junho no In Out Exhibition, dentro da programação do Festival de Publicidade de Cannes (França) – foi construída a partir da investigação de Paixão sobre seu corpo, que recebe mensagens de ódio e “falsas preocupações quanto à saúde, quando, na verdade, o que incomoda a sociedade é que o gordo está fora do padrão vigente”, enfatiza. Na performance, ele aborda ainda um outro ponto importante: “trilho o caminho da aceitação do meu corpo, de entendê-lo e amá-lo para poder transitar e lutar por esse corpo na rua, porque criminosos são os olhares lançados sobre as pessoas gordas”.

 

 

Para Paixão, ser gordo é, sem dúvida, identitário: “vou ser gordo até o último dia da minha vida, pois minha alma é assim, cheia, repleta”. E emenda: “não existe a possibilidade de eu ser magro; já estou com 38 anos e a minha história se deu dentro de um corpo gordo, por mais que tenha estado mais magro em alguns momentos”. Ele, como outros gordos, já quis diminuir seu tamanho e aí surgiram outras questões: o que some e o que aparece quando se emagrece?

Com 50 quilos a menos em apenas cinco meses, o ator afirma que a maior perda que teve durante seu processo de emagrecimento não foi de peso, mas de identidade: “eu já não vivia tão bem em um corpo magro, quanto em um corpo gordo; eu conhecia intimamente o que era ser gordo e não foi na magreza que meus problemas sumiram ou que encontrei o amor da minha vida, por exemplo”.

 

 

Hoje, de malas prontas para Cannes onde se apresenta completamente nu, Paixão leva suas curvas, vontades, marcas e a certeza de que “não podemos tratar o gordo como um estado, tipo, ‘estou gordo”. Ao contrário, é necessário afirmar publicamente: “eu me declaro gordo: eu sou gordo!”. No vídeo abaixo, você confere a entrevista, na íntegra, com Leonardo Paixão e acompanha parte da performance do Corpo Emagrecido com exclusividade para a Matilda.