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matilda — 18 de abril de 2017

FETICHISMO, MITOLOGIA E MODA EXÓTICA: O UNIVERSO FASCINANTE DE ROPAHRARA

Situada entre a Avenida Paulista e o centro antigo, a região do Baixo Augusta é conhecida como uma das mais heterogêneas e democráticas da cidade de São Paulo. A fama não veio à toa: as mesmas ruas que abrigam baladas, bares, espaços criativos, lojas e brechós descolados convivem com vendedores ambulantes, moradores de rua e puteiros icônicos — resistindo ao atual processo de gentrificação (chegada de novos moradores com maior poder aquisitivo) e a crescente especulação imobiliária na área.

Por ser um ambiente tão diversificado e conectado com o novo, a rotatividade de negócios é grande. No entanto, uma loja permanece incólume em meio às mudanças constantes do local: a Ropahrara Moda Exótica, que neste ano completa 20 anos de existência.

 

 

Especializada em roupas sensuais, a marca atende um público tão variado quanto o lugar em que está inserida, incluindo garotas de programa, jovens do rock, drag queens, travestis e casais a fim de dar uma apimentada no relacionamento. Além disso, já teve suas peças estampadas em editoriais de revistas de moda e looks em cena nas grandes novelas da Rede Globo.

   

Por trás da Ropahrara

 

 

Com seus brilhos, plumas e manequins em poses ousadas, a vitrine chama atenção por si só. Não que não existam outros empreendimentos similares nos arredores, mas a Ropahrara aguça a curiosidade pela relação do nome com os modelitos nada convencionais.

A alcunha foi dada por Lúcia Helena da Silva, idealizadora da marca que, além de administrá-la, também é responsável pela criação de boa parte das peças. “Sempre me interessei pelo Oriente, o deserto, Israel… A palavra Ropahrara veio quando estava ouvindo música de dança do ventre. Foi como um sopro divino. Um insight. Um grito. Nasceu gritando mesmo”, conta. O sonho de ter sua própria confecção de roupas femininas com modelos exóticos foi tomando forma aos poucos. “Não sou costureira, estilista ou modelista. Sentava na máquina de costura e tentava fazer o que estava na minha cabeça. Eu queria criar roupa rara, mas não sabia o que ia acontecer. O comum não me interessa, tem que ter ousadia”.Essa atração pelas arábias foi despertada ainda na infância. Graças à sua pele negra e às trancinhas naturais que usava na escola católica, um padre a chamou, em tom de brincadeira, de Rainha de Sabá. A partir daí, Lucia mergulhou na mitologia da personagem e se apropriou de todo o mistério e fascínio que a envolve — tanto para a construção de sua persona quanto para a narrativa da marca. Atualmente, Lucia conta com um bom time de profissionais e tenta manter uma certa distância da parte criativa, já que acredita que seu excesso de originalidade pode atrapalhar no dia a dia. “Não visito quase nunca a oficina de costura, pois com certeza irei inventar uma manga diferente, um decote, vou deixar mais curto… seria uma loucura!”, completa com bom humor. Fetichismo em alta E o que falar da Balmain e seus looks vulgar-chic que são objeto de desejo entre as fashionistas? O jornalista Vitor Angelo, em 2009, fez a mordaz comparação entre a grife francesa e a Ropahrara. “Eu acho a Balmain vulgar, com a vantagem que eu não tenho nada contra a vulgaridade. Aliás Balmain é muito Ropahrara Moda Exótica, com a vantagem que a Ropahrara é mais autêntica e barata!”.A relação entre fetichismo e moda vem de longa data, e anda mais atual do que nunca. Vinil e spandex ganharam status de luxo em alguns dos desfiles mais importantes da semana de moda internacional, como Balenciaga e Dior.

Na telinha: Ropahrara usada por personagem da novela “A Regra do Jogo” — Reprodução: Rede Globo

Campanha ss17 da Balenciaga

    O legado Se há alguns anos as roupas sensuais carregavam o estigma de “roupa de puta”, hoje, com o movimento de empoderamento feminino, esse conceito vem sendo questionado e desmistificado (e desde quando puta é algo difamatório?). A Ken-gá Bitchwear — marca de moda praia cheia de glamour — é um bom exemplo disso. A origem do nome vem justamente da ideia de subverter a conotação pejorativa da palavra “quenga” e transformá-la em algo empoderador. Maiôs ultradecotados, sungas unissex e calças que deixam parte do bumbum à mostra são algumas de suas criações.

Imagens via Instagram @kengabitchwear

  Esse momento de grande aceitação do “obsceno” no universo da moda não poderia ter sido melhor aproveitado pela Ropahrara. A loja acaba de inaugurar uma nova unidade no bairro de Moema e mostra fôlego de sobra para comemorar mais 20 anos. “Estamos expandindo, mas meu coração é na Augusta. A Ropahrara é a cara da rua e nossos clientes são demais, ótimos”, finaliza.