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matilda — 12 de março de 2018

BENDITO CENCI

Abençoados sejam todos aqueles que fazem felizes os seus semelhantes. Rodrigo Cenci, mais conhecido como Blessed Boy, estudava Ciências Sociais quando optou pela pornografia como forma de sustento e, por que não, de arte. Subvertendo estereótipos do gênero e aplicando referências de moda street masculina, ele imprime um estilo autoral em seus filmes — todos voltados para o público gay — que acabam virando vitrine para seu trabalho como garoto de programa. Se a escolha pelo mercado de sexo como forma de expressão estética parece absurda pra você, então é preciso ir além do óbvio para entender o contexto. Do alto de seus 24 anos, Cenci é fruto de uma geração que vive a ressaca da vida em rede. Antes mesmo de entrar no meio pornográfico, há um ano e meio, ele já usava a superexposição como ferramenta de reforço de autoimagem e experimentação com o polêmico. Pode-se dizer, inclusive, que essa construção de identidade prévia no meio digital é o que o diferencia dos demais garotos de programa e atores pornô. Seu apelo online é tamanho que, recentemente, Cenci conseguiu ser modelo Pornhub, maior site gratuito de pornografia do mundo, passando a ganhar dinheiro por visualização de vídeo, uma forma de incentivo para continuar produzindo e postando seu conteúdo. Tumblr boy Como grande parte dos jovens de sua idade e camada social, Cenci sempre foi de passar muito tempo na internet. Tumblr, Instagram e Twitter são bases fundamentais: o primeiro é usado para buscar referenciais e foi onde começou a usar a alcunha “Blessed Boy”, o segundo é lugar de autoexpressão e o terceiro é divulgação. No tumblr, suas pesquisas vão de fetichismo a roupas esportivas, mas sempre com uma linguagem bem definida, uma coisa meio “cultura pós-soviética underground, anos 1990, super fetichizada”. Tudo isso é aplicado na produção de seu visual e de seus filmes caseiros, que também costumam contar com tênis jogados e acessórios como bonés e correntes. “Eu penso num roteiro, numa direção e deixo a transa rolar organicamente, apesar de não ser um sexo como outro qualquer, porque tem que parar pra ver luz etc. Também faço vídeos menores pra divulgar, principalmente no Twitter, que tem regras mais flexíveis em relação à pornografia”, conta. Na sua conta de Instagram, derrubada constantemente por denúncias de conteúdo impróprio, ele se comporta como “influenciador”: as imagens, principalmente selfies, procuram transmitir atitude, estilo e muita personalidade. Não à toa, seu perfil já chamou a atenção da galera da moda, como o fotógrafo Tatá Guarino, que o clicou num ensaio intitulado “Blooming Boy”. As fotos ganharam centenas de reblogs no Tumblr e viraram um bom material de auto divulgação.

Ensaio “Blooming Boy” por Tatá Guarino

Profissionalismo acima de tudo Além da estetização, também chama atenção a forma como Cenci naturaliza a profissão de GP.

Na prática, eu vi que o dia a dia do trabalho não era grande coisa, eu estava só prestando um serviço que às vezes era bom, às vezes era neutro e às vezes era desconfortável, acho que nada que eu não enfrentaria em qualquer outro trabalho.

Bem esclarecido em relação ao meio e totalmente livre de tabus, ele constantemente coloca em pauta o fato de que há pouca ou nenhuma informação oficial sobre a área, diferentemente de outras profissões institucionalizadas. “É um caminho que você entra meio às cegas, não tem pesquisa de mercado sobre a profissão, não tem como saber por onde começar, quais são os melhores meses ou coisas do tipo. No início conversei com um amigo meu que estava a algum tempo fazendo [programa] e ele me indicou um site de anúncios, me deu algumas dicas e eu meio que fui me guiando dentro do que eu achava que estava certo. Às vezes dava certo, às vezes mais ou menos, e foi indo assim”. Os limites também foram sendo descobertos por conta própria. Com tempo e experiência, ele aprendeu a dosar o mínimo de atendimento que conseguiria dar conta por semana com a quantidade de dinheiro necessária para manter seu estilo de vida classe média. Atualmente, estabelece um modelo de até três atendimentos por dia, feitos normalmente durante o período da tarde. Esse é um padrão bem diferente da maioria dos garotos de programa, que costuma atender de madrugada. “Dois por dia é confortável, três depende se os dois primeiros não foram tão exaustivos assim. Esse foi o limite que eu percebi que seria ok para eu ir levando o meu cotidiano”, explica. “Qualquer garoto que quer levar isso como um trabalho duradouro deve impor um limite saudável, a não ser que você esteja fazendo por um período muito curto de tempo, porque quer uma grana rápida”, completa.

Eu tento me manter focado, da mesma forma que eu faria se trabalhasse com qualquer outra coisa, até por conta da rotina não ser muito regrada, no sentido dos horários não serem super certinhos. Se você quer levar esse trabalho pra frente, você tem que ter uma visão séria e empreendedora.

Ter profissionalismo nessa área implica também em mostrar firmeza na hora de negociar valores e deixar bem discriminado o que está dentro do pacote contratado. Afinal, sempre vão ter aqueles caras que chegam cheios de expectativas e que desrespeitam os limites de um serviço profissional. Cenci nos conta que teve sorte de nunca ter passado por situações de grande vulnerabilidade, no máximo um cliente ou outro que pede desconto ou uns esquemas que fogem ao seu modelo de trabalho. E não faltam clientes apaixonados querendo algo a mais. “Teve um cara específico que confundiu bem as coisas e achou que estava meio que num relacionamento, e eu tive que dar um ponto final. Tive que dormir com ele e não foi legal, depois eu vi que não precisava passar por esse tipo de coisa”. Questões de abuso ou violência, segundo ele, não são tão corriqueiras quanto no meio da prostituição feminina. A explicação deixa claro a disparidade entre gêneros: “Os clientes têm receio na hora de contratar um garoto de programa e chegam com um pouco de medo, porque tem esse estereótipo do GP ser ‘pesadão’, o que acaba sendo uma proteção pra gente”. Plano de carreira Cenci também demonstra bastante pragmatismo ao falar de planos para o futuro. A criação de uma identidade pornô e de um código de ética foram os meios que encontrou para trilhar uma carreira consolidada no ramo. “Claro que pretendo parar de fazer atendimento, até porque é uma profissão que impõe que você pare mais cedo que outras, mas você está inserido no mercado de sexo e entende muito sobre o tema, então é natural continuar nele. Eu tenho vontade de continuar na produção de filmes pornôs, eu quero aprimorar minha produção e procurar formas de tornar isso mais rentável; também penso em ir para alguma produtora mais pra frente, sempre tendo meu trabalho independente em paralelo”. E completa com bom humor: “Sou um ator pornô millennial!”.

Abaixo, o vídeo-entrevista que fizemos com Rodrigo Cenci. Que as bênçãos sejam para todos!