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matilda — 6 de fevereiro de 2018

A RUA, UMA VIA PARA ARTE

A rua sempre foi palco de inúmeras atrações circenses e artísticas, levando vida e cultura para os espaços mais inesperados. Na Idade Média, os autores dessa prática eram reconhecidos como Saltimbancos, que viajavam de cidade em cidade montando suas apresentações em vias e praças públicas. Mas, apesar dessa tradição milenar, atualmente os Artistas de Rua costumam ser estigmatizados e sua arte vista como inferior em relação àquelas expostas em grandes museus e galerias.     Mesmo sendo garantida pela Constituição Federal¹, a livre expressão artística nas ruas enfrenta problemas até com o poder público, situação que em São Paulo levou à criação de uma lei² para regulamentar as atividade dos artistas, assegurando o direito de apresentar-se em áreas públicas e “passar o chapéu” para receber doações, sem a necessidade licença ou autorização, desde que não haja obstrução da passagem de ninguém.     Para descobrir os motivos, histórias, sonhos e dificuldades das GENTES que fazem da rua mais do que um lugar para o simples trânsito de pedestres e veículos, conectando a arte com a agitada vida das cidades, nós da Matilda fomos até a Avenida Paulista para conversar com eles, os artistas e as artistas de rua. Confira os depoimentos abaixo para conhecer um pouco mais sobre a realidade desses protagonistas que lutam em defesa da arte e cultura populares.   Marcio Nascimento, 49 anos.   Há um ano fui preso porque estava desenhando. A polícia disse que eu não podia ficar aqui fazendo o meu trabalho. No Brasil, infelizmente a arte é reprimida, mas São Paulo deu um passo a mais, porque em outros estados é ainda pior. Mas eu já vi tomarem a flauta do flautista, tomarem a guitarra do guitarrista e por aí vai.”     “Tem alguns lugares que não podemos trabalhar, só que a Constituição Federal sancionada em 1988 fala que qualquer forma de expressão artística é livre em qualquer espaço público, mas que não incomode os demais, né. Na mídia existem alguns que falam mal e prejudicam a imagem da gente, onde nos consideram como qualquer coisa ruim, menos como artista de rua. Esse conceito existe, predomina ainda e mesmo havendo o direito para expressar a nossa arte, ‘ninguém respeita a constituição’ como já diria o Legião Urbana.   Sílvio Patrocínio, 36 anos.   “Basicamente, o meu trabalho é voltado para um material que é descartado. Você vai ver pedra, madeira… são todos materiais encontrados na rua, em caçambas, doados. Hoje eu tento fazer um trabalho mais comercial, algo que fique viável para alguém comprar na rua, uma decoração.”     “Meu sonho é com a minha arte também poder transformar o lugar onde eu estou. Levar uma alegria, uma perspectiva diferente. Porque quando você fala sobre arte, você fala também de algo que pode transformar o ambiente, uma casa…Eu creio que a arte pode criar essa ponte, de transformar o espaço. Quero com a minha arte fazer a diferença e ter o meu próprio negócio, poder abrir o meu próprio ateliê, e com isso incentivar outras pessoas a fazerem parte desse meio.”   Bruna Maciel, 22 anos.   “Eu comecei fazendo mandalas e gostei muito. Quando fui ver, tinha um monte em casa e pensei: ‘que que eu faço com isso?’. Aí eu passei a dar de presente. Mas, mesmo assim, eu gostava de fazer, então eu continuei. Tentei vender e deu certo, foi quando eu comecei a vir para a rua.”     “Eu vejo muitos artesãos e artesãs que sabem fazer um monte de coisas lindas e começam a comprar coisas prontas para vender, sabe? Então se a gente deixar isso morrer, uma hora não vai ter nada, ninguém vai saber fazer nada e vai ser tudo mecânico e tudo pronto.”   David.   “Meu nome é David, sou da África do Sul, mas estou no Brasil faz oito anos. Eu tenho amor pela música, sou professor, toco sete instrumentos, piano, saxofone, gaita, violão…. amor para mim é a música, eu canto todo dia.”   Lindomar, 52 anos.   “Começou com a necessidade que faz a diferença, né? A falta de serviço também que tem né, então tudo me trouxe para a rua, além de gostar muito de cantar. Eu costumo dizer que eu não sei se eu nasci para a música, mas a música nasceu em mim: eu nunca estudei, mas desde criança eu sei tocar.”     “A minha alma também necessita de estar aqui, necessita de ter contato com o povo, porque o artista sem o povo não é nada, então eu sempre tenho que ir onde o povo está. O mundo está carente de paz, tá carente de coisas bonitas, você só vê maldade, coisas ruins, então o mundo está carente, o mundo está precisando de mais Lindomares por aí cantando, ao invés de criticarem.”   Danila Gonçalves, 33 anos.   “Conheci uma chilena que fazia estátua viva de um anjo na 25 de Março, e na época eu queria muito largar o emprego fixo. Falei pra ela: ‘Poxa, não aguento mais me dividir entre a arte e o trabalho…oito horas por dia, carteira assinada…’ No que ela retrucou: ‘Vai ter um dia que a sua arte vai ser a sua vida e você vai conseguir largar isso para viver do que gosta’. Depois disso, acabamos fazendo estátua viva algumas vezes juntas e pensei: ‘Poxa, quero fazer arte de rua, porque assim vou conseguir me manter e não vou mais precisar separar a arte da vida’.”     “Essa personagem que estou fazendo agora é a Artemis, ela é a deusa da Independência, a deusa da Liberdade, e com essa performance eu espero trazer, nesse momento em que está todo mundo muito em conflito, um pouco mais de liberdade e autonomia, principalmente a liberdade feminina, por mais mulheres tendo voz.”

Fontes:
¹Art. 5º, inciso IX – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. ²Decreto Municipal 52.504, de 19 de julho de 2011. Disciplina a utilização de vias e logradouros públicos da cidade de São Paulo para a apresentação de artistas de rua.