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matilda — 5 de junho de 2019

O renascimento de Lay Dirty

Conhecida por seu engajamento feminista, a rapper de Osasco reavalia o movimento e toda a sua trajetória na moda e na música

Lay Dirty, Layfestyle, Lay. As múltiplas facetas de Laysa Moretti, rapper e estilista de Osasco, são um reflexo de sua trajetória barulhenta no mundo da moda e da música.

Em pouco mais de 5 anos, Lay experimentou uma ascensão meteórica na carreira, alcançou o mainstream, comandou uma revolução feminista no tumblr, caiu no tribunal da internet sob a acusação de falta de sororidade, passou por um período de reavaliação e agora vive sua fase de maior autonomia.

Com o recente lançamento do Gatilho EP (ouça aqui), ela assume o trap como sua principal vertente musical e se desfaz de tudo aquilo que não lhe cabe mais. “Agora eu posso dizer foda-se o gênero, que eu sou uma preta egocêntrica, como uma trap girl. E o trap te dá essa liberdade. É como uma vingança, tirar dinheiro do ódio”.

Nós fomos até a casa de Lay conversar sobre esse momento:

 

                                       

 

O concept

 

A criação da persona Lay passa por três frentes muito bem definidas: imagem, concepção sonora e um discurso acompanhado de ideias inovadoras. E é esse conjunto que faz dela uma das rappers brasileiras mais completas do mercado.

Primeiro de tudo veio a moda. Desde a época da escola, Lay gostava de customizar roupas e esbanjar seu estilo entre os colegas normativos. Sua maior referência nessa área é a sua avó, que é costureira até hoje.

Na adolescência, costumava frequentar festas de reggae e ska, e em seguida descobriu o punk rock, para depois entrar no rap. A partir do momento em que começou a ir para as regiões mais centrais da cidade e conhecer outras culturas, entendeu que realmente não precisava se enquadrar em nada. “É muito louco porque nessa época eu já era referência para outras pessoas, então fui me colocando desde sempre nessa posição, ousando cada vez mais, e a partir disso fui criando minha identidade visual“.

 

“Eu já falei o que eu tinha que falar sobre empoderamento. 129129 é a bíblia, senta lá e lê, come com arroz e feijão todo dia”.

 

Mais tarde, passou a garimpar peças em brechós de São Paulo e, com o tempo, construiu um guarda-roupa de dar inveja a qualquer fashionista. Chanel, Dolce & Gabbana, Gucci….Pode cavar que você encontra.

Aproveitando todo esse repertório, em 2013 Lay criou a sua marca de roupas, a Lay Moretti Clothing, que reúne peças numa pegada streetwear.

 

“As pessoas querem uma referência fashion, e essa pessoa sou eu. Não tem mais ninguém além de mim”.

 

Dama do trap

 

Sua entrada na música a ajudou ainda mais a entender qual estilo gostaria de seguir — uma mescla de Lil’ Kim e Foxy Brown, rappers norte-americanas que fizeram muito sucesso nos anos 1990, com a leitura criativa das periferias paulistanas.

 

 

Em 2015, lançou seu primeiro EP, o 129129, um grito de empoderamento com batidas de trap, funk e dancehall. Não demorou para o single Ghetto Woman estourar nas plataformas de streaming e as letras feministas de Lay se espalharem pela internet.

Vivências e dramas

Bucetas, ei, xanas

Não dá pra negar

Que elas são más

 

                                                                                            Trecho da música Ghetto Woman

Bucepower gang

 

Ao mesmo tempo em que se apresentava nas principais casas noturnas de São Paulo e fazia parcerias com grandes marcas publicitárias, Lay tocava um Tumblr que a colocou como protagonista da luta feminista internética. O nome, Bucepower Gang, é um abrasileiramento do termo pussy power.A ideia era construir um espaço onde mulheres pudessem postar nudes sem julgamento, estimulando a discussão em torno da liberdade sexual feminina. “Eu não posso dizer hoje, com a minha maturidade e estudo, que era sobre feminismo, porque a gente vive num mundo patriarcal. A partir do momento que eu exponho meu corpo, eu estou alimentando a tara dos caras. Não, era sobre ser livre e ter autoestima. E alimentar a autoestima de outras mulheres”.

 

 

O movimento agregava mulheres de todos os tipos, sem filtros. Mas hoje, ao se entender como uma mina preta periférica, Lay avalia que o discurso da militância virtual feminista nem sempre a beneficiava.

E antes que a acusem de abandonar o ativismo, Lay deixa bem claro que seu feminismo é na vivência, e que sua realidade não é contemplada pelas demandas de um feminismo eurocentrado.

A partir do momento em que a gente fica nesse front do feminismo, a gente se coloca como um alvo full time, sendo que as próprias mulheres pretas já têm um entendimento que o feminismo não abraça elas, então eu não quero ser uma mulher preta com uma ideia de um feminismo eurocentrado, com discursos que mais me prejudicam do que me beneficiam“.

 

Mina de ninguém

 

Aos 27 anos e mais madura do que nunca, Lay anda 100% focada em sua carreira. Está lançando roupas exclusivas junto com a estreia de Gatilho, algumas mixtapes, a filmografia completa de 129129 e pretende fazer cada vez mais parcerias com outros rappers, stylists, fotógrafos e produtores.

“Eu sempre me autoproduzi, mas hoje eu me coloco também no patamar de dar oportunidade para outros stylists e estilistas. E é muito louco como esse meu novo trabalho, que eu tô chamando de Nova Era, porque o Gatilho EP é sobre uma nova era, é onde eu me encontrei de fato”.

 

 Assista ao clipe de Mar Vermelho: