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matilda — 18 de abril de 2018

DO AGROTÓXICO AO PLANTIO CONSCIENTE: A VIDA DO PEQUENO AGRICULTOR FAMILIAR

Grandes cidades ao redor do mundo, incluindo São Paulo, estão vivendo um novo e interessante fenômeno: o êxodo urbano. Em busca de uma vida mais simples, longe do caos dos grandes centros urbanos, um número cada vez maior de pessoas tem se mudado para o campo, ocupando sítios, fazendas, ecovilas ou formando comunidades integradas com a natureza. O movimento se conecta com a recente era da mobilidade digital. Não mais restritos a um local fixo de trabalho, uma parcela de profissionais, principalmente da área de comunicação, começou a questionar as vantagens sociais e econômicas da vida na cidade. Poluição, congestionamento e alto custo de vida cedem espaço para uma vida mais sustentável, ancorada na alimentação orgânica e no consumo consciente. Paralelo a isso, surgiu o conceito de locavorismo, que consiste na ideia de consumir apenas alimentos produzidos próximos ao lugar onde você está, ou seja, dando preferência a produtores locais. Logo apareceram áreas de “ocupação verde” nas grandes cidades, os chamados “hortelões urbanos”, que funcionam como alternativa ao agronegócio e reivindicam a reconexão com a terra. Tendências à parte, essa ainda é uma realidade pouco conhecida para grande parte da população do país. De fato, o êxodo urbano tem se intensificado no Brasil nos últimos anos, mas a prática mais comum ainda é o êxodo rural. Sem os privilégios da classe média que opta pelo fluxo migratório para um “campo com facilidades” (leia-se com internet de alta velocidade, boa educação para os filhos, acesso a um sistema médico de qualidade e alimentação adequada), aos habitantes da zona rural restam a retirada ou a sobrevivência em sua terra de origem.   A realidade do pequeno agricultor Ademir Ventura experimentou a primeira opção, mas ainda  persiste em ambiente campestre. Oriundo de uma família de arrendatários de terra do interior do Paraná, ele se mudou para Porto Feliz, em São Paulo, há cerca de 30 anos. Hoje, mora com sua esposa, Rosângela, e sua filha, Sara, de 7 anos, num conjunto de terras que é dividido com mais outros cinco sítios. O filho mais velho, Lucas, está em outra cidade terminando a faculdade de engenharia agrônoma. “Na época, os proprietários arrendavam com alguma facilidade as terras que eles não conseguiam utilizar para o plantio, mas no final dos anos 1990, eles começaram a ter linha de crédito e comprar um maquinário maior. Com as máquinas, não precisavam mais da gente, então tivemos que sair de lá”, explica o agricultor. Ademir Ventura GENTES Sua especialização é a fruticultura. Em uma área de um hectare — entre casa e espaço de plantio — ele planta uva, pitaya e maracujá, além de desenvolver outras culturas, como berinjela, abobrinha e pepino. “As culturas perenes, como as de uva, têm um ciclo longo entre a plantação e a colheita, então demoramos até três anos para tirar uma renda delas. Por isso entramos com essas alternativas de lavouras pequenas, como berinjela e pepino”.   Novos tempos A diversificação de plantações trouxe melhorias em toda a cadeia de produção, com vantagens tanto para Ademir quanto para o consumidor final. Quando se concentrava apenas na cultura perene, a colheita era feita de uma só vez, normalmente em dezembro ou no meio do ano. “Eram apenas 15 dias de colheita no ano, daí vinham os caminhões, levavam os produtos para o Ceasa e o custo era muito alto, de frete, distribuição, comissão de venda e imposto. Nosso rendimento acabava ficando muito baixo”, analisa. “Quando começamos a diversificar as plantações e a colher de tudo um pouco, conseguimos vender direto no supermercado da região perto de nós, diminuindo os custos de transporte, tendo um maior controle sobre nossos preços e oferecendo um produto mais fresco“, completa. É o locavorismo acontecendo na prática, e por necessidade. Foto de um cacho de uva da plantação de Ademir Ventura Com o período de ascensão da classe C e o aumento do padrão de renda dos últimos anos, Ademir e sua família também perceberam mudanças em seu estilo de vida. Alguns sonhos foram alcançados, como um carro com seguro e a possibilidade de ver um filho prestes a se formar na faculdade.

“Hoje nós temos mais informação, mais alternativas. Eu posso falar que a vida no campo melhorou bastante, mas a gente tem que ir acompanhando as mudanças, conforme as coisas vão evoluindo. Muita gente foi embora para a cidade porque não teve essa visão de ir se adaptando. É uma batalha”

Velhos problemas Se alguns aspectos melhoraram com o tempo, outros continuam atravancados. Ademir conta que sua esposa ainda precisa trabalhar na cidade como faxineira para complementar a renda familiar. “Só com o trabalho rural a gente conseguiria plantar para comer, mas não daria para comprar televisão, ter telefone…”. Ademir sentado com seu cachorro do lado de fora de casa. Comunicação, inclusive, só via chamada telefônica, pois não há rede de internet no sítio. Além disso, o modo de produção ainda segue velhos modelos de uso de agrotóxicos, apesar de Ademir ir de encontro à ideia de que isso é algo necessariamente ruim. “O agrotóxico por si só é muito perigoso porque é um produto concentrado, assim como um remédio. Mas diluído como eu uso aqui, numa proporção de 50ml para 100 litros de água, por exemplo, distribuído em uma área grande, não causa prejuízo para a população. É só usar na medida certa e respeitando o tempo de carência do produto. O uso é necessário para conter o pulgão e alguns tipos de fungos, mas faltando um mês para a colheita não se usa mais”. Para ele, a produção de orgânicos ainda parece inviável. A justificativa é de que o estado de São Paulo tem pulverização aérea na cana, o que, em tese, atrapalharia o cultivo orgânico. “Teríamos que estar numa área preservada”, argumenta. Apesar dos percalços, ele não trocaria por nada a paz da vida no campo: “O bom é que aqui um cuida do outro, a gente não precisa pagar por segurança”. Veja no vídeo um pouco da rotina de Ademir no sítio e conheça mais sobre sua relação com a terra: