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matilda — 19 de abril de 2018

ARTE QUE SE MANIFESTA: DEMARCAÇÃO JÁ!

Acostumados com a selva de pedra, a maioria dos habitantes de São Paulo nem imagina que, contrastando com a frieza cinza do asfalto e grandes arranha-céus, existem comunidades indígenas que conseguiram preservar sua cultura e vivem bem próximos à metrópole, desenvolvendo uma relação com a terra e com a natureza muito diferente daquela estabelecida pelo homem branco.

Werá Jeguaka Mirim, indígena da aldeia Krukutu. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my

(Werá Jeguaka Mirim, indígena da aldeia Krukutu. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my)

Os índios da Aldeia Krukutu são um exemplo disso: a cerca de 14 km de Parelheiros, distrito da capital, eles resistem à expansão dos centros urbanos e batalham para terem suas terras e tradições preservadas. Na luta pela garantia dos seus direitos, muitas vezes ameaçados pela ignorância e ganância dos usurpadores de sempre, esse índios da etnia Guarani e Guarani-Kaiwoá possuem uma grande arma: a arte.

Literatura: resistência e identidade

“Uma das grandes armas pra gente se defender é através da escrita”, explica Olívio Jekupé, que mora na Aldeia Krukutu há mais de 20 anos e hoje trabalha como escritor e filósofo, com mais de 15 livros infanto-juvenis publicados. Para ele, os índios vêm sendo retratados de forma errônea desde 1500 pela literatura, que sempre foi escrita pelo colonizador, não expressando a realidade através dos olhos dos indígenas.

Olívio Jekupe, escritor e filósofo indígena da aldeia Krukutu. Foto:Juliana Kümmer/ matilda.my

(Olívio Jekupe, escritor e filósofo indígena da aldeia Krukutu. Foto:Juliana Kümmer/ matilda.my)

Para o escritor Guarani, sua literatura não é “indígena”, e sim nativa: “Se nós somos nativos desse continente, então a nossa história também é nativa, porque ela não veio de fora”, esclarece. Em seus livros, como “500 anos de angústia”, Jekupé resgata a história do seu povo e também registra mitos e lendas que lhe foram transmitidos através da oralidade, como em “A mulher que virou Urutau”, escrito em coautoria com sua mulher, Maria Kerexu, contribuindo com a preservação da sua cultura e identidade indígena.

“A mulher que virou urutau”, escrito por Olívio Jekupe e Maria Kerexu, da editora Panda Books. Foto: Divulgação

(“A mulher que virou urutau”, escrito por Olívio Jekupe e Maria Kerexu, da editora Panda Books. Foto: Divulgação)

 

Rap Indígena: da aldeia para o mundo

Mas Olívio não é o único morador da Aldeia Krukutu que utiliza a arte como forma de protesto: seus três filhos seguiram seu exemplo e também se tornaram escritores. Werá Jeguaka Mirim começou sua carreira cedo e com 9 anos publicou seu primeiro livro pela Panda Books, o “Kunumi Guarani”, livro infantil no qual retrata o seu dia dia na aldeia, seus costumes e tradições.

Werá Jeguaka Mirim, rapper e escritor indígena. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my

(Werá Jeguaka Mirim, rapper e escritor indígena. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my)

Aos 13 anos Werá ganhou certa notoriedade, não pelos seus livros, mas por uma ação de protesto na abertura da Copa do Mundo de 2014. Na ocasião, o jovem guarani havia sido escolhido para soltar uma pomba branca, símbolo da paz, junto com outras duas crianças. Antes de deixar o campo, o garoto tirou do bolso uma faixa vermelha com os dizeres “Demarcação Já!” escrita a mão, ato que não foi transmitido na TV, mas que repercutiu na internet.

Werá com 13 anos, segurando a faixa que abriu na Copa do Mundo de 2014. Foto: Agência Brasil

(Werá com 13 anos, segurando a faixa que abriu na Copa do Mundo de 2014. Foto: Agência Brasil)

A palavra de ordem, que fazia uma referência à necessidade da demarcação de todas as terras indígenas, se tornou uma constante nos trabalhos de Werá, que em 2016 lançou um canal no Youtube, estreando o seu trabalho como rapper com o clipe “O Kunumi chegou”, produzido pela dupla ANGRY (Gabe Maruyama e Bruninho) e que chegou a mais de 24 mil visualizações. Confira o vídeo abaixo!     A força e engajamento do jovem guarani chamou a atenção de grandes nomes da cena musical, como o rapper Criolo, que convidou o Mc Kunumi, nome artístico escolhido por Werá, para uma colaboração. A faixa “Terra, ar, mar”, fruto da parceria, ainda não tem previsão de lançamento, mas é possível conferir uma prévia do trabalho aqui.   Para Werá, o rap é uma forma de dar vida às suas poesias e transmitir às pessoas, da sua aldeia e também de fora dela, a necessidade de se preservar a cultura indígena, que vai desde os costumes passado de geração a geração até a religião originária de seu povo.

Werá Jeguaka Mirim. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my

(Werá Jeguaka Mirim. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my)

Esses são alguns dos motivos pelos quais a demarcação das terras indígenas se faz tão necessária, pois práticas tradicionais como a caça, pesca e a relação não agressiva com a natureza, que fazem parte dos costumes e identidade desse grupos, não podem ser mantidas quando a expansão dos centros urbanos invade as terras antes preservadas.    Para saber mais sobre esse tema, confira a entrevista que fizemos com Olívio Jekupe sobre a literatura indígena,  a resenha sobre o documentário “Martírio”, que fala sobre a luta dos Guarani-Kaiwoá, e também nossa cobertura do Acampamento Terra Livre ocorrido em Brasília no ano passado (2017).      Neste 19 de abril, “dia do índio”, também indicamos o vídeo-manifesto realizado pelo movimento Mobilização Nacional Indígena, onde mais de 25 artistas de renome, como Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Gilberto Gil, fazem uma homenagem aos povos indígenas do Brasil. A mensagem é clara: Demarcação já!     (Imagem em destaque: Criança indígena da Aldeia Krukutu. Foto: Juliana Kümmer/ matilda.my)