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matilda — 24 de abril de 2019

A fagocitose de Eduardo Araújo, a.k.a. Dudx

As transformações físicas e químicas de um corpo atravessado pela vida e pela arte

 

Por comodidade, falta de interesse ou os dois, nos acostumamos a achatar todo o universo que compreende uma vida num comprimido tragável, de fácil ingestão. Seja homeopatia ou tarja preta, muito se perde nesse processo de sintetizar o indivíduo numa solução possível.

Acostumado a receber rótulos “diversos”, como gordo, bicha e preto, Eduardo Araújo, Dudx ou Dudu passou por um processo de transformação físico, químico e espiritual para rever sua relação com o corpo, a noite e a escuridão.

 

Da Seicho-no-ie para os porões da noite

 

Artista visual e etc. como gosta de elaborar, Dudx percorreu uma trajetória difusa até chegar na rua Ouvidor, número 63, centro de São Paulo, localização da maior ocupação artística da América Latina.

Nascido em Campinas e criado em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Eduardo cresceu com uma antena apontada para a cultura japonesa, tendo seguido por anos a filosofia Seicho-no-ie.

Imitando o visual de bandas e artistas nipônicos na adolescência, Dudx começou a exercitar talentos e inquietudes. Depois de se formar em comunicação social e publicidade, passou 2 anos montando drag queens na noite até criar corpo para se assumir Artista. O sobrepeso e a negação do corpo gordo pela sociedade também se tornariam questões centrais em suas performances.

Inspirado pelo tom trevoso do butoh, a distopia do ero-guro e pela investigação do próprio gênero, Dudu enxergou no feio, no tosco e no sujo um chamado.

“O meu processo artístico sempre foi uma maneira de abraçar aquilo que todo mundo tenta esconder, porque de alguma maneira tem sempre algo a ser escondido. Eu tenho uma atração pelo erro, pelas coisas que parecem ter dado errado, porque acho que é que nem o erro na Matrix, é ali que tá o segredo das coisas”.

 

Um mergulho na escuridão

 

Nos porões da noite, Eduardo encontrou o universo ideal para sua arte abjeta. Explorar o incômodo, seu e do público, se tornou insumo para os ritos performáticos que passou a realizar como Dudx. As drogas, elementos intrínsecos à vida nos clubes noturnos, estavam lá e serviam também à indução dos estados performativos.

Não demorou muito para essa relação se tornar abusiva, como os relacionamentos que já enfrentava na vida privada. Logo vieram os primeiros surtos e então seu derradeiro ato. Um cocktail de drogas mal dosado lançou Eduardo para longe da sua consciência.

Contratado para fazer uma festa em outra cidade, fora do seu círculo de confiança, Dudx perdeu o controle e, além de si mesmo, feriu outras pessoas. Foi socorrido e medicado, mas o evento seria mais um break point na sua narrativa, para o bem e para o mal.

 

Do fundo do poço para o tribunal da internet

 

Nem a escolha consciente pelo desconforto, nem os anos de artista marginal haviam preparado Eduardo para o que viria a seguir. Exposto no Facebook como um agressor misógino, ele viu toda a sua exploração de gênero e engajamento pela igualdade saírem de cena para dar lugar à figura do macho violento.

Disposto a pagar por seus erros, expôs a situação e desceu ao inferno mais uma vez. Para o público que conheceu a história pelo relato de uma mulher agredida pouco adiantou assumir a responsabilidade pela perda do controle e seu momento de fragilidade. Entre montagens de fotos suas censuradas e ameaças de morte de diferentes regiões do país, Dudx recebeu o único tratamento possível quando se é réu no tribunal da internet: uma sentença sem julgamento.

Execrado por muitos, defendido por poucos, Eduardo deu um tempo na noite, recolheu seu saquinho de merda e foi lidar com ele. O fechamento desse ciclo deu início a uma busca por consciência e auto-cuidado, como ele divide com a Matilda no nosso novo Gentes. Confira.