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matilda — 21 de fevereiro de 2017

JEZA DA PEDRA: O ANTROPOTRAVISMO CONTRA OS NEOCARETAS

Concierge, gerente de motel 5 estrelas, auxiliar administrativo e até anfitrião de karaokê. São essas algumas das profissões pelas quais já passou Jonatas Rodrigues — mais conhecido como Jeza da Pedra —, multiartista do Rio de Janeiro que acaba de lançar o videoclipe de Terrorista Viado, música que tem potencial para virar hit na internet e nas baladas pelo Brasil.

 

 

Sua experiência com o público não é novidade: Jeza já tocava nos bares do Vidigal, voz e violão, um estilo que chama carinhosamente de sapamusic. Mas foi apenas há 2 anos que resolveu largar o mercado formal de empregos para se dedicar ao que realmente gosta de fazer: arte. Aos 33, ele envereda pela música, poesia, audiovisual e performance de forma livre, política e autoconsciente. Esse exercício criativo culminou na concepção de um personagem muito bem localizado.

Foto: João Pacca

“Jeza é uma entidade antropotrávica da Floresta da Tijuca que veio para lançar um set da passividade na onda neocareta brasileira”, dispara em uma videoconferência animada. A escolha da alcunha vem da época em que escrevia poesia e contos, e assinava com o pseudônimo de Jesus Christopher da Silva. “Quando entrei no Facebook queria que meu nome fosse esse, mas a rede social não aceitou. Daí flexionei para o feminino (Jeza) e não houve mais problema”.

Trecho da letra de Cuida Noiz, canção autoral, onde questiona padrões de comportamento heteronormativos.

Trecho da letra de Cuida Noiz, canção autoral, onde questiona padrões de comportamento heteronormativos.

Juntando um mar de referências que vão da literatura ao cinema, passando pela música pop americana e pelo funk e pagode cariocas, Jeza se inseriu com muito bom humor na cultura do remix. “É sobre celebrar a música popular brasileira e o entretenimento como um verdadeiro ato de ocupação musical”.

Em Celular, versão forró de Hotline Bling, ele prova isso. Totalmente sem vergonha, transforma o hit em um mix de arrocha, forró e tecnobrega, que é chique e cafona ao mesmo tempo — exatamente como a música original de Drake.

 

 

Mas é em canções como Terrorista Viado e a supracitada Cuida Noiz que sua obra adquire uma dimensão política, ao se apropriar do território do pop para levantar questões do ativismo LGBT atual.  Jeza se autodenomina bicha terrorista, e explica o conceito: “elas [as terroristas] são personalidades subversivas que ousaram botar a cara no sol e exigirem respeito mesmo estando fora dos padrões pré-estabelecidos. São as gays afeminadas, as feministas, as trans… essas figuras que sofrem preconceito até mesmo dentro do universo LGBT”. E ele sabe bem do que está falando: tudo o que canta é observação das suas vivências transitando na periferia do Rio de Janeiro e entre diferentes recortes demográficos.

Não à toa, aparecem no clipe (uma colagem digital com charme homemade) personalidades emblemáticas da vida noturna e marginal cariocas, como as drag queens Rose Bombom, Kayka Sabatella e Madame Satã. O rapper Mikky Blanco, o artista Ventura Profana e a performer Ex-Miss-Febem são outros personagens que aparecem no audiovisual que o artista chama de vídeo-gambiarra. “Não tinha grana pra fazer um videoclipe, então vi um tutorial do Windows Movie Maker e comecei a mexer e inserir fotos”, explica em tom despretensioso. Em 2010, após um rapaz ser agredido com uma lâmpada na avenida paulista, vítima de homofobia, surgiu a Revolta da Lâmpada, movimento de luta, performance e protesto. Na terceira edição do evento, que aconteceu no último novembro, Jeza subiu no trio elétrico e fez sua primeira grande apresentação.  

Na companhia de nomes como o da DJ Luana Hansen (autora da versão lésbica do funk Deu Onda), e da MC Linn da Quebrada, Jeza se insere num movimento de ativismo autoral, no qual o posicionamento político é ressignificado, e se torna muito mais acessível dentro de um contexto de likes e compartilhamentos. “É uma forma de expressar o meu corre marginal LGBT e dar uma roupagem passiva-não pacífica — e jocosa — a um registro do Mr. Catra, por exemplo”.

Não restam dúvidas que a mistura, colagem e apropriações que Jeza faz em seu trabalho são eficazes na hora de passar sua mensagem: cultura pop também é luta, uma afirmação que anda sendo mais atual que nunca.