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matilda — 10 de setembro de 2018

DONA ZENAIDE, A PARTEIRA EMPODERADA

Uma mulher deitada numa maca, coberta por lençóis, rodeada por uma equipe médica vestindo jalecos azuis e máscaras brancas. A família também está no ambiente. Essa é a representação mais comum de um parto para grande parte da população urbana, devido ao aumento populacional das cidades trazido pela industrialização, que contribuiu com o apagamento da medicina alternativa.     Mas, no Brasil, essa está longe de ser a única realidade existente. Fora das regiões mais centrais do país, as parteiras tradicionais ainda cumprem um importante papel, auxiliando os nascimentos naturais que ocorrem em lugares onde há uma quase ausência do poder público. É o caso de Maria Zenaide, que presta assistência e repassa seus saberes empíricos para centenas de mulheres carentes nas zonas rurais do Acre.

Dona Zenaide, a parteira de Rio Branco

Morando em Rio Branco e trabalhando como caseira com seu marido em uma fazenda da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), dona Zenaide é a expressão de uma tradição que resiste por ainda se fazer necessária. Além de cozinhar para os indígenas da comunidade, para complementar a renda, ela também auxilia as mulheres em seus partos, tendo como única ferramenta as suas próprias mãos. “Porque dentro das zonas rurais, nos seringais, todos os partos quem faz são as parteiras. E elas fazem de graça, não fazem pago, não”, relatou. Com 61 anos, dona Zenaide já realizou 289 partos, número que ela controla em um pequeno caderno. Sua mãe também era parteira, e foi assim que ela se iniciou no ofício, fazendo o seu primeiro parto sozinha com apenas 10 anos. “Quando a criança chorou eu fiquei assim, oh, toda me tremendo”, relembra.    

Empoderamento e resistência

Para enfrentar a dura realidade, a parteira recorre à arte como forma de se fortalecer, compondo músicas que falam sobre o trabalho das parteiras, sobre a natureza e também sobre o empoderamento feminino. “Hoje tem mulher empoderada, tem, tem, tem mulher que tem poder”, é o refrão de uma das cantigas que nos apresentou. A consciência de uma cultura arcaica que sempre desvalorizou e inferiorizou as mulheres vem de sua própria vivência, marcada por uma das faces mais cruéis da violência machista. Em uma tentativa de estupro, dona Zenaide foi agredida com um soco e perdeu a visão do olho esquerdo, dano irreparável que carrega até hoje. Se sua história é atravessada pela brutalidade de uma sociedade de origem patriarcal e o descaso de um Estado que cada vez mais fecha os olhos para os setores mais vulneráveis, o sorriso de dona Zenaide contrasta com essa dura realidade. Com suas mãos, a parteira faz o que está ao seu alcance para transformar a vida a sua volta, mais do que muitos dos políticos que só lembram que o Acre existe de quatro em quatro anos. Confira o vídeo abaixo para saber mais da sua história.