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matilda — 1 de outubro de 2018

DEDÊ MAIA SAMÊ: A FILHA DA FLORESTA

“Meu nome é Djacira Maia de Oliveira, assim fui batizada pelos meus pais na igreja católica”. Assim Dedê Maia responde à pergunta curiosa sobre seu nome de batismo. “Fiquei com esse apelido não sei porque, podia ter sido Dja Dja”, brinca. Em sua primeira viagem ao Acre, em 1978, Dedê renasceu filha da floresta. “Eu fui batizada novamente pelo Ramiro Sabóia, um Huni Kuĩ. Ele me deu o nome de Samê Iñani Bakê. Esse era o nome da avó dele. Eu contei a minha história e dúvidas com relação a minha origem indígena e ele falou: agora você tem uma família, você é minha filha. Me sinto confortável assim”, conta. (leia a continuação da reportagem abaixo)

Este primeiro contato com terras indígenas foi o pontapé inicial de um trabalho de quase 40 anos com os povos originários do Acre. De lá pra cá, Dedê desenvolveu inúmeros projetos, sempre incentivando e apoiando o fortalecimento da cultura tradicional indígena. “Essa viagem culminou também na criação da CPI do Acre. Éramos em quatro meninas ativistas políticas e sentimos que havia a necessidade urgente de termos algum mecanismo que pudesse nos amparar legalmente. Não só a nós, que estávamos voluntariamente dando uma força para os povos que ainda viviam atrelados dentro dos seringais, mas também para eles mesmos”.

 

Comissão Pró Índio do Acre

CPI é a sigla para Comissão Pró Índio, uma organização acreana sem fins lucrativos, criada em 1979, com a missão de apoiar os direitos coletivos dos povos indígenas que vivem no Estado. Antes disso, a opinião pública acreana e o governo, incluindo a FUNAI, não reconheciam a existência de índios no Acre. A primeira grande vitória da organização foi a demarcação das terras. “Hoje quase todas as terras indígenas aqui do Acre são demarcadas e homologadas. Posso dizer que eu e a instituição caminhamos juntos. Ela foi a minha escola em muitas coisas. O que eu sou hoje, de fato, eu devo tudo à CPI“. A demarcação possibilitou “o tempo dos direitos” para os indígenas. A educação foi um dos mecanismos para a autonomia dos povos. “Queríamos que eles tivessem o domínio mínimo de português e aritmética para poder gerenciar suas cooperativas. Durante muitos anos participei desses cursos de formação porque eu sou professora de profissão. Foi um caminho muito incrível porque nós não íamos para as aldeias dar aula, a gente formava os professores para que eles dessem conta dentro de suas aldeias”, explica. Dedê também cita a formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas, mais um projeto da CPI, que assessora as aldeias do Acre na implantação de sistemas agroflorestais e na gestão ambiental e territorial. “Foi um trabalho que nasceu dentro do setor de meio ambiente através do Renato Gavazzi.  É fantástico porque hoje você anda nessas aldeias e vê que ninguém passa fome. Eles não têm nenhum tipo de necessidade que não possam resolver ali. Frutas de todas as espécies, medicina mais próxima de casa, e em algumas aldeias têm até horta e legumes”, conta Dedê. Outro ponto ressaltado pela indigenista é o projeto “Artes e Ofício“, que consiste em ensinar técnicas de esculpir para que os agentes re-aproveitam madeira (Matilda esteve na abertura da exposição do projeto, confira aqui). “Além de todo o trato com a natureza, eles foram incentivados ao reaproveitamento da madeira que foram encontrando nos roçados. Mais uma vez entra o nosso amigo Renato Gavazzi com seu olho mágico, e propõe esse desafio de reaproveitar de alguma forma e fazer uma arte utilitária”.

 

A luta continua

A luta de Dedê e de tantos outros indigenistas ao longo dos últimos 40 anos trouxe grandes conquistas para os indígenas. Mesmo assim, o genocídio dos povos originários e a destruição da natureza ganham nuances cada vez mais graves. Ao mesmo tempo em que a sabedoria ancestral com o meio ambiente ganha voz, a agressividade do capitalismo global dificulta a organização de um novo modelo de economia. A solução, defende a indigenista, está em olhar para esses povos.

“O mundo, as empresas, a ganância, o próprio homem, vai esgotar, vai acabar, vai entrar em caos, vai morrer, acabar. A única forma é olhar para os povos originários, a gente sempre tratou eles como coisas do passado mas eles são o futuro”.

  E continua: “Eles têm uma lógica de desenvolvimento que é muito diferente da lógica capitalista. Eles pensam em plantar o feijão, e parte dessa produção vão vender e trocar com coisas que precisam. Eles fazem o seu planejamento mas eles plantam para alimentar a sua família, para ter fartura na sua casa, respeitando o tempo”. Dedê também comenta sobre a inclusão dos indígenas na cultura ocidental e em como o pensamento do homem branco com relação a isso é equivocada. “Toda essa tecnologia e as roupas que os brasileiros usam vêm de fora. E aí fica cantando de galo que índio não pode usar celular. Brasileiro não deixou de ser brasileiro porque o celular não foi inventado aqui. Ninguém deixa de ser o que é porque muda de lugar. A identidade vai além“, finaliza.