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matilda — 25 de junho de 2018

ARTE E COLABORAÇÃO NO OUVIDOR 63

Um prédio de 13 andares, habitado por mais de 100 pessoas vindas de diferentes lugares, de outras culturas, com objetivos diversos, em que cada andar possui uma proposta de residência artística diferente. Esse é o Centro Cultural Ouvidor 63, edifício ocupado há mais de 4 anos em defesa da arte e cultura na cidade de São Paulo. Com o título de maior ocupação artística da América Latina, seria impossível para o Ouvidor 63 se sustentar e funcionar por tanto tempo sem o apoio e colaboração de indivíduos, movimentos sociais e organizações, que dedicam seu tempo e energia para a manutenção desse sonho.

Tempos difíceis

A ocupação surgiu em 2014, quando um grupo de artistas que fazia um acampamento no Vale do Anhangabaú para denunciar os gastos milionários com a Copa do Mundo decidiu se instalar no prédio, enquanto saúde, educação e cultura seguiam precarizadas. Alexa Gomes, designer de moda que trabalha com figurinos, estilização e recuperação de roupas, participa do movimento desde 2014: “O primeiro ano foi um ano de limpeza, no segundo, apareceu a Moara ajudando com o projeto da Bienal, junto com artistas que estavam chegando, o Sirius, o Djulia e vários outros”.

Alexa Gomes exibe sua coleção com peças feitas com sombrinhas reaproveitadas.

Alexa Gomes exibe sua coleção com peças feitas com sombrinhas reaproveitadas.

Entre ameaças de desocupação por parte da prefeitura e o medo de que o espaço se tornasse uma ocupação de moradia comum e perdesse o seu caráter de Centro Cultural, o Ouvidor já passou por dias difíceis, atravessando um ano com menos de dez pessoas. Nesse período, o apoio externo foi decisivo para a continuidade do Ouvidor. Grupos de artistas, como a banda Nicolas Não Tem Banda, que surgiu na ocupação, e políticos prestavam solidariedade: “O Eduardo Suplicy apareceu por aqui para ajudar a gente em um momento de crise que a gente passou, teve também a Soninha, o Chico César…”, revela Moara Brasil, artista que não reside no Ouvidor 63 mas colabora com o espaço.

Moara Brasil ao lado de seu quadro em homenagem a Sirius Amen, residente do oitavo andar.

Moara Brasil ao lado de seu quadro em homenagem a Sirius Amen, residente do oitavo andar.

 

Rompendo com o isolamento

O período de instabilidade nos primeiros anos mostrou aos residentes a importância de se manter em constante contato com os apoiadores e a comunidade externa. Conservar as portas sempre abertas para artistas, coletivos e mesmo marcas que se identifiquem com os ideais da ocupação, como se deu na parceria com a Red Bull Station, seria a chave para romper com o isolamento e não deixar que o Ouvidor acabasse.   “[O Ouvidor] é um espaço que chega além das fronteiras geográficas e também acho que é um lugar de unificação, porque a gente tem reunido muitas pessoas da cena noturna, do movimento negro, LGBTQI+, como por exemplo, a Karol Conká e a Alma Negrot. Fazemos ensaios aqui e isso está sendo expandido também para outros coletivos”, revela Marina Cortes, multi artista espanhola que reside há seis anos no Brasil e trabalha no Ouvidor 63.

Marina Cortes, artistas plástica, curadora, cineasta, figurinista e fotógrafa que trabalha no Ouvidor 63

Marina Cortes, artistas plástica, curadora, cineasta, figurinista e fotógrafa que trabalha no Ouvidor 63

Outro exemplo de resistência foi quando os ocupantes organizaram a primeira Bienal de Artes do Ouvidor 63, em 2016, na mesma semana em que aconteceu a Bienal de Artes de São Paulo. O evento foi todo construído de forma colaborativa e serviu para engajar mais artistas no ideal de Centro Cultural que a ocupação traz. “Aqui no Ouvidor eu aprendi que colaboração é a principal ferramenta para que esse organismo funcione. Um deles, por exemplo, é a Bienal. A primeira foi toda à base da cooperação de todos os artistas do prédio, desde entendimento à consciência do que é colaborar, ter empatia pelo projeto, pelo todo e pelo coletivo e hoje a gente aumentou essa rede de colaboradores e estamos muito felizes com isso”, revela Moara.

Adotando um sistema

Com a multiplicidade de pessoas que fazem parte do coletivo, a organização do espaço encontra desafios. No início da ocupação, o Ouvidor 63 tentou implementar um modelo de gestão horizontal, sem lideranças, mas a experiência prática revelou que o “excesso de democracia” dificultava que os projetos saíssem do papel. “Ninguém vai querer um líder, a maioria das pessoas também não querem isso. Mas também precisa de uma organização, precisa ter direcionamento, e aí fica muito difícil quando é muita gente. Sempre um vai se destacar, ou grupos vão, nem que seja naquele momento”, analisa Sirius Amen, pintor em multiplataformas, que faz sua residência artística no oitavo andar da ocupação.

Sirius Amen, pintor em multiplataformas que faz residência artística no oitavo andar do Ouvidor 63.

Sirius Amen, pintor em multiplataformas que faz residência artística no oitavo andar do Ouvidor 63.

Hoje, o Ouvidor mantém seus fóruns de democracia interna, onde todos os residentes podem opinar e votar decidindo os rumos da ocupação nas assembleias do prédio, elegendo representantes e comissões que assumem determinadas funções, quando necessário.      

Eventos e como ajudar

Depois do sucesso da primeira edição, nos dias 7 de setembro a 8 de outubro acontece a II Bienal de Artes Ouvidor 63. Com obras de vários artistas da ocupação, o evento é uma oportunidade de mostrar ao mundo o resultado de todo o processo colaborativo que acontece dentro do Ouvidor. O período de produção do evento já começou. “A Bienal já está acontecendo, ela abriu em fevereiro como uma jornada de laboratórios educativos voltados para o processo de criação para atrair grupos, tanto para as pessoas de fora, como também para as daqui de dentro, e assim compartilhar conhecimento e outros mundos possíveis”, conclui Moara.

Com uma programação extensa para o público, os artistas contam com a ajuda de outras pessoas para fazer com que essa bienal aconteça. Caso você queira ajudar, basta clicar nesse link e fazer a sua doação.