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matilda — 12 de fevereiro de 2019

Sueide Kintê: “Meu ativismo é lutar pelo autocuidado e pela cura”

“Existe um provérbio que as famílias negras falam que é: se compreenda“. O ponto de partida da conversa com Sueide Kintê explica muito sobre quem é essa mulher. “Eu sempre fui uma criança compreendida. Eu sabia que era negra, que eu era pobre, o que era ter um pai sindicalista, o que era ter uma mãe professora, uma família de esquerda, de axé. Eu sempre soube o peso, a delícia e dor de ser nordestina”, completa.

Nascida em Salvador, na Bahia, Sueide se descreve na verdade como a “miscelânea de territórios” a qual pertence. “Sou de Paripe, em Salvador, de Santo Amaro da Purificação, de São Brás, da terra da minha mãe, avó, bisavó. Eu sou de Berimbau, da terra da minha avó paterna. Eu acho que o que eu sou tem muito a ver com esse lugar que eu pertenço”, diz. Jornalista de formação, Sueide se mudou para São Paulo há pouco mais de um ano, com o objetivo de desenvolver projetos voltados para o autocuidado e autocura, em especial das mulheres negras. “Meu ativismo é lutar pelo autocuidado e pela cura e isso é uma coisa muito importante porque a gente precisa estar viva e com saúde para lutar. Se a gente não estiver viva, não vai ser possível lutar”, completa.

Recentemente, Sueide lançou o aplicativo Mais amor entre nós, uma plataforma de troca de produtos e serviços entre mulheres. Além disso, a baiana criou o Jornalista Griô, um bate-papo que se inspira na tradição oral africana. “Em algum momento da minha trajetória como jornalista eu quis falar exclusivamente à comunidade negra. Falar do nosso poder, de saberes, das coisas que inspiram o mundo, da cosmovisão afro brasileira”. O Griô teve duas edições realizadas na Matilda Casa, com Dona Jacira e Erica Malunguinho como convidadas.

 

O Axé

 

A compreensão que Sueide tem de si mesma e a disseminação do autocuidado como trabalho estão totalmente ligados à sua filosofia de vida: o Axé. “Axé é uma palavra que significa força. É uma tecnologia ancestral africana de viver bem e viver integrado com a natureza. Uma pessoa que é de Axé ela não pensa ‘ah, os seres humanos e a natureza’. Os seres humanos fazem parte da natureza”, diz a baiana. “Axé é uma forma de ver o mundo, que tem seus princípios, códigos, tabus e dogmas.

Dentro dessa filosofia de vida você tem um departamento que é religioso, que é espiritual. A forma como o candomblé se organizou no Brasil pode garantir que, mesmo depois da escravidão, nós pessoas negras escravizadas da diáspora pudéssemos nos lembrar que existem deidades que não passam pelo crivo do cristianismo, embora a gente tenha sido estuprado pelo sincretismo religioso”, completa Sueide.

“Nós estamos abertos a todas as nuances de verdade no mundo, o nosso papel é viver bem em conjunto com a natureza, não destruir,  e utilizar da própria natureza para se recarregar de axé e força”

Viver o Axé, segundo Sueide, é extremamente necessário para compreender qual é a verdadeira essência do ser humano. “O capitalismo vende que você tem que acordar todo dia tal horário, bater ponto porque senão você não é a pessoa. A pessoa produtiva precisa trabalhar no relógio da babilônia, só que não! Cada um de nós temos os nossos ciclos internos, bem como a lua, bem como as marés. É natural que em algum momento do ano você seja menos produtiva”.

“Precisamos de periodos sabáticos, precisamos obedecer os nossos ciclos.”

A importância do equilíbrio

 

Ao entender nossos ciclos conseguimos compreender que a força interna não está ligada apenas à sentimentos positivos. Sueide acredita que acolher os momentos de sombra e encontrar o caminho do meio são fundamentais para a vida. “Todos os sentimentos do qual o ser humano é dotado são positivos. Eu tento pensar numa forma de equilíbrio, como eu posso sentir medo para minha proteção e para ser uma pessoa coerente. O medo com o seu lugar é um medo importante”, afirma.

“Eu não quero ser uma heroína, uma guerreira, eu só quero ser uma pessoa feliz. Essa é a minha grande reivindicação para mim e para as mulheres negras.”

Mas a Sueide tem medo de alguma coisa? “Eu tenho medo de ficar sozinha, entendeu? Eu tenho medo da solidão”, afirma a baiana depois de cantar um trecho da música “Pequeno Mapa do Tempo”, de Belchior. “Eu busco sempre falar e estar com outras pessoas mesmo que em silêncio. Eu não quero o sertão da minha solidão”.

 

Futuro

 

Contrariando a onda conservadora, rígida e individualista que as instituições brasileiras atravessam, Sueide acredita em um futuro comunitário e ancorado no bem estar. “Eu acho que eu caminho para um lugar cada vez mais de vivência comunitária. Mais raiz, mais hackeando o sistema, tendo ambientes onde se possa fazer arte, viver, ser de axé em comunhão. Meu paradigma de sucesso está muito ligado ao bem estar. Acordar de manhã, respirar um ar puro, poder ver o mar, poder dançar, fazer capoeira, poder falar poemas todos os dias. Esse é meu paradigma de felicidade, ter uma vida sustentável baseada naquilo que me faz sentir prazer”. Axé!