×
matilda — 20 de agosto de 2018

A MITOLOGIA INDÍGENA ETERNIZADA NA MADEIRA REAPROVEITADA

Os mitos indígenas são vitais para valorizar a participação dos povos indígenas na sociedade brasileira. Há séculos, essas histórias protagonizadas por personagens de caráter divino e heróico são transmitidas de geração para geração de diversas formas: rituais, tradição oral, escrita, ilustração e vídeo.

Sabendo da importância de continuar esse trabalho para que a história indígena permaneça viva, e também com o objetivo de ampliar o alcance deste conhecimento, a AMAAIAC, Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais do Acre, decidiu usar a mitologia indígena para ensinar técnicas de esculpir madeira em algumas aldeias do Acre.

O resultado do projeto “Artes e Ofício – Reutilização de madeira para a confecção de móveis, esculturas e outros objetos de uso” originou a exposição “Hi ea miyuishuiki – A madeira me contou“, que foi aberta ao público no dia 4 de agosto, na Casa dos Povos Indígenas, em Rio Branco (AC).

 

 

Matilda esteve presente na abertura da mostra, que reúne mais de cinquenta peças, com destaque para as esculturas em madeira, produzidas em cinco aldeias locais: Kaxinawá, do Rio Jordão, Kaxinawá do Baixo Rio Jordão, Kaxinawá do Seringal Independência, Kaxinawá da Praia do Caranapã e Arara do Igarapé Humaitá.

 

Os Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre

 

 

Para entender o projeto Artes e Ofício é preciso primeiro falar sobre os Agentes Agroflorestais Indígenas. Os AAFIs são jovens e adultos de todas as etnias indígenas do estado do Acre, que são escolhidos dentro de suas aldeias para atuar na implantação de sistemas agroflorestais e na gestão ambiental e territorial de suas terras indígenas. O projeto é realizado pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/Acre) desde 1996, e nasceu a partir de uma demanda das comunidades indígenas por assessoria na área de plantio e manejo de árvores frutíferas.

A madeira reutilizada que vira arte e história

 

Dentro de cada aldeia existe uma grande quantidade de madeira recolhida dos roçados, das beiras de praia trazidas pelas águas dos rios ou encontradas dentro da mata derrubadas pelo vento. A solução que os indígenas tinham para se livrar deste material era “queimar ou deixar apodrecer”, diz Josias Maná Kaxinawá, ex-presidente da AMAAIAC.

A ideia de reaproveitar esse material de uma forma diferente surgiu durante um dos cursos de formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas. “À noite, quando terminou o curso, a gente fez uma fogueirinha e se reuniu. Conversamos e pensamos: e daqui pra frente? Como vamos pensar para remanejar, derrubar ou plantar a semente? Num é só ver madeira caindo, apodrecendo, quebrando, se barrancando nos rios, nos roçados. Temos que transformar o uso de outra forma”, conta Maná. Era o início do Artes e Ofício.

 

 

Foto: Arlan Hudson

 

Os mitos indígenas esculpidos

 

 

Com o apoio da CPI/Acre e do Governo do Estado, a AMAAIAC começou então a realizar oficinas nas aldeias, ensinando técnicas de reaproveitamento da madeira para a confecção e comercialização de peças artísticas. “Os jovens encontraram inspiração dentro de suas próprias tradições mitológicas, espirituais e ancestrais, bem como a conservação da biodiversidade e da floresta ameaçada”, diz Renato Antonio Gavazzi, curador da exposição.

Alguns dos personagens retratados pelos artistas indígenas são: Yube Nawa Tareni, que trouxe do mundo encantado das serpentes os conhecimentos nixi pae para os Huni Kui (Kaxinawa); Kapa Yuxivu, o quatipuru encantado que trouxe para os Shawadawa (Arara) as sementes do roçado e a fartura da caça; Baka Yuxivu, a velha que revelou os segredos das ervas medicinais para auxiliar no parto; e Yawa Xiku Nawa, um homem muito sovina, cujo fel depois de morto deu origem a diferentes pássaros e tantos outros personagens fantásticos.

 

Foto: Arlan Hudson

 

A arte como plataforma de comunicação entre mundos

 

Gavazzi afirma que os artistas indígenas almejam ver as suas obras alcançando grande visibilidade, e consequentemente conseguir maior compreensão e atenção para as suas histórias. “A exposição faz parte de uma estratégia para dar visibilidade a povos historicamente invisibilizados e muitas vezes esquecidos. Este projeto educacional, artístico e cultural é dedicado à preservação da Floresta Amazônica e à valorização da cultura indígena, por meio da arte”, completa.

Foto da capa: Arlan Hudson