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matilda — 1 de fevereiro de 2019

Bruno Couto: “Quando você está dentro desse casulo do formato corporativo, você fica absolutamente cego pro que está acontecendo lá fora”

De pés descalços, coração aberto e muita história para contar. A leveza com que Bruno Couto encarou esta entrevista diz muito sobre a maneira como ele tem levado a vida nos últimos meses. Em novembro de 2018, aos 33 anos, o publicitário decidiu largar mão de uma carreira em ascensão para se dedicar a uma busca mais profunda por sua essência como indivíduo e comunicador.

Apesar da pouca idade, foram 16 anos de trajetória, entre indústrias de bens de consumo e agências. Com isso, Bruno experimentou tanto o lado de cliente, de tomador de decisão, quanto o outro lado, o de influenciador de decisão. “Uma é melhor que a outra? Não, não existe juízo de valor. Ambas são extremamente importantes. Mas a diferença é bem essa mesmo, a tomada de decisão e a influência na decisão”.

Nos últimos 4 anos sua carreira deu uma guinada ainda maior, quando assumiu a posição de senior de marketing de uma grande empresa. Em pouco tempo, Bruno experimentou todas regalias de “ser alguém” no competitivo mercado de comunicação. “O que mais essa carreira me deu foi uma solidez na parte mais frágil que a gente tem como ser humano, que é o ego. Os benefícios, a carreira, os palcos da vida, os prêmios da vida”.

Tudo isso, claro, veio com alguns ônus. Grandes responsabilidades geraram a pressão por ser cada vez melhor e mais produtivo, e o ego corporativo foi se tornando um grande peso.

“Eu subi de cargo muito rápido, e o cargo passou a exigir cada vez mais de mim. A pressão do mercado começou a ficar cada vez mais forte, e a pressão minha comigo mesmo, porque no final do dia eu sou um cara vaidoso e eu não tenho problema nenhum em falar isso”.

 

A resposta na espiritualidade

 

Bruno entendeu que a saída não era outra: ou você vive na euforia de fazer parte, ganhar cada vez mais dinheiro e chegar ao topo, ou você começa a questionar a validade de tudo isso. Ele trilhou o segundo caminho, começando pela pergunta: “Isso vai me levar pra onde?”.

Logo vieram outras quebras de paradigmas ligadas a uma consciência social. A primeira delas foi a percepção cada vez mais evidente do que era ser um homossexual assumido numa posição de liderança. “Nunca foi um problema muito grande pra mim porque eu sempre deixei isso como uma questão íntima e pessoal, mas nunca escondi, nunca deixei de ser quem eu sou. Mas por muitas vezes eu tive que mostrar mais serviço porque esse rótulo incomodava e me deixava pra trás versus outras pessoas E isso se alia a outras coisas, como quando você vê grandes reuniões de vendas com pouquíssimas mulheres”.

Outro ponto importante foi a questão da pouca idade. Não raro, Bruno sentia que precisava se provar muito mais para ter credibilidade no mercado do que pessoas com mais tempo de experiência na área.

Era hora de mergulhar fundo em seu monstro interior e ir atrás do que realmente importa para ele. Foi então que, nos últimos dois anos, a meditação e a ioga entraram em sua vida e abriram novas possibilidades. As constantes reflexões e a busca através do silêncio o levaram a decisão de largar o trabalho e ressignificar sua trajetória como profissional de comunicação — sem perder a clareza plena de seus privilégios como homem branco dentro dos padrões vigentes de beleza.

Bruno ressalta ainda que sua decisão não é sobre “largar tudo e fazer o que gosta”, mas tornar o mercado de comunicação mais humano. Seu intuito hoje é trabalhar por causas, em ambientes que respeitem o indivíduo antes de qualquer coisa. “Quando você está dentro desse casulo do formato corporativo como ele é há muito tempo, você fica absolutamente cego pro que está acontecendo lá fora, e tem muita coisa acontecendo aqui fora”.

 

Em busca de outros KPIs

 

Como profissional com foco em branding e construção de marca — e agora com uma visão muito mais ampla do mercado — Bruno termina nossa conversa dando um recado para as marcas e empresas entrarem em sintonia com o século XXI.

“A primeira coisa antes de você querer fazer uma marca para fora é olhar pra sua marca de verdade e ver a qual propósito ela se propõe. A sua marca tem um valor real? A sua marca veio pra fazer alguma diferença, de verdade? Tem muita marca vazia, que não tem porque existir, querendo ir atrás de KPIs numéricos, e aí fica muito complexo. As empresas precisam colocar pessoas em cargo de liderança que sejam de minoria, precisam ter uma cadeia sustentável de resíduo de lixo, precisam ouvir mais as pessoas e exigir menos delas”.

Assista ao vídeo e entenda melhor como Bruno Couto furou a bolha: