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matilda — 4 de fevereiro de 2019

AS COISAS NÃO TÊM PAZ

Memórias, resíduos e invenção se misturam na obra de Renan Soares.

Filho de nordestinos e cidadão de São Caetano do Sul, Renan percorre o real e o imaginário com a habilidade infante de quem “sabe que sabe”.

A Matilda foi até a sua casa-ateliê no ABC Paulista numa tarde quente de verão — com direito à tempestade e trovoada — para vislumbrar de onde vem o toró de ideias que transborda em sua obra.   

“Eu assumo isso: eu tô sempre inventando quando eu tô falando dos meus processos, porque eu não tenho o menor controle sobre eles”

 

O inusitado intervêm no cotidiano na experiência in-fantasma

 

A memória e o seu grande depósito

 

Propor uma revisão de trajetória para Renan é fácil. Acessar a memória é como abrir uma das portas do seu guarda-roupa para colher uma peça, coisa do dia a dia. Aliás, as obras e invenções do rapaz estão espalhadas sem cerimônia pela casa em que mora com a mãe, compondo uma decoração incidental.

Sob a casa, a garagem serve como espaço de invenção maior e depósito de resíduos (ou insumos, é tudo uma questão de perspectiva). Estão ali suas últimas criações, adereços, objetos, pinturas e um sem fim de coisas acumuladas esperando por re-encontrar seu lugar no mundo exterior.

Além de desenhar e guardar seus rabiscos, hábito adquirido ainda na infância, fase essencial para o seu entendimento do criar, o artista também dá vida a personagens caracterizadas por uma forma caótica de indumentária, resultado da ressignificação de objetos que se espalham por sua vida e obra.   

“No final das contas eu tô sempre desenhando, sempre fazendo o mesmo processo de soltar uma coisa e ter que resolver o fato dela não voltar mais pra trás”  

Invenção e a ressignificação para LP da Nomade Orquestra

 

A curiosidade é libertária

 

Além do caráter inusitado, como as intervenções em que Soares leva um de seus in-fantasmas para passear pelas ruas de São Paulo, sua obra invoca um universo místico em que o divino e o estranho são convidados para brincar no mesmo quintal. Mesmo lidando com a possível densidade de suas criações, o convite à brincadeira é a verve do seu trabalho.

“Vai lá, aperta o botão que você quer apertar, mexe no lugar que você quer… Vai, seja curioso! Eu não sei se isso tá claro na minha produção, mas é só isso que ela quer dizer… Mesmo em arte, hoje em dia, é tudo muito castrado. Eu queria ser a arte que fala ‘pode relar lá no cara nu, faz o que você quiser'”.

“Meu trabalho é uma grande sala de ex-votos, eu nunca sei se eu tô pagando uma promessa, se eu tô homenageando um ente que já se foi, se eu tô, enfim, fazendo uma prece”

 

A criança é o pai do homem

 

Ao invocar a infância e a ideia infantil do “saber que sabe” fazer algo, Renan Soares propõe uma reflexão sobre o sistema de costumes que restringe a vida adulta.     

“Adultos são inimigos de crianças. Os adultos estão nas reuniões deles e as crianças vão arrumar alguma coisa pra brincar, pra fazer. E, geralmente, elas vão fazer a história, vão fazer o futuro”

“A grande forma de pensar política hoje é uma forma criança, é uma forma infantil, é uma forma primal, é uma forma invenção, uma forma inventada, que veja todos os processos e todas as simulações e dissimulações que a política adulta ou a performatividade do ser humano adulto propõe sobre o viés da brincadeira”.

Assista ao resultado desse encontro no vídeo abaixo e vá se habituando ao universo de Renan Soares. Muito em breve, ele também irá ocupar a Matilda Casa.